A Espada
Luis Fernando Veríssimo
Uma família de classe média alta. Pai, mulher, um filho de
sete anos. É a noite do dia em que o filho fez sete anos. A mãe recolhe os
detritos da festa.
O pai ajuda o filho a guardar os presentes que ganhou dos
amigos. Nota que o filho está quieto e sério, mas pensa: "É o cansaço."
Afinal ele passou o dia correndo de um lado para o outro, comendo
cachorro-quente e sorvete, brincando com os convidados por dentro e por fora da
casa. Tem que estar cansado.
- Quanto presente, hein, filho?
- É.
- E esta espada. Mas que beleza. Esta eu não tinha visto. -
Pai...
- E como pesa! Parece uma espada de verdade. É de metal
mesmo. Quem foi que deu?
- Era sobre isso que eu queria falar com você.
O pai estranha a seriedade do filho. Nunca o viu assim.
Nunca viu nenhum garoto de sete anos sério assim. Solene assim. Coisa
estranha... O filho tira a espada da mão do pai. Diz:
- Pai, eu sou Thunder Boy.
- Thunder Boy?
- Garoto Trovão.
- Muito bem, meu filho. Agora vamos pra cama.
- Espere. Esta espada. Estava escrito. Eu a receberia quando
fizesse sete anos.
O pai se controla para não rir. Pelo menos a leitura de
história em quadrinhos está ajudando a gramática do guri. "Eu a
receberia..." O guri continua.
- Hoje ela veio. É um sinal. Devo assumir meu destino. A
espada passa a um novo Thunder Boy a cada geração. Tem sido assim desde que ela
caiu do céu, no vale sagrado de Bem Tael, há sete mil anos, e foi empunhada por
Ramil, o primeiro Garoto Trovão.
O pai está impressionado. Não reconhece a voz do filho. E a
gravidade do seu olhar. Está decidido. Vai cortar as histórias em quadrinhos
por uns tempos.
- Certo, filho. Mas agora vamos...
- Vou ter que sair de casa. Quero que você explique à mamãe.
Vai ser duro para ela. Conto com você para apoiá-la. Diga que estava escrito.
Era o meu destino.
- Nós nunca mais vamos ver você? - pergunta o pai,
resolvendo entrar no jogo do filho enquanto o encaminha, sutilmente, para a
cama.
- Claro que sim. A espada do Thunder Boy está a serviço do
bem e da justiça.
Enquanto vocês forem pessoas boas e justas poderão contar
com a minha ajuda.
- Ainda bem - diz o pai.
E não diz mais nada. Porque ve o filho dirigir-se para a
janela do seu quarto, e erguer a espada como uma cruz, e gritar para os céus
"Ramil!". E ouve um trovão que faz estremecer a casa. E vê a espada
iluminar-se e ficar azul. E o seu filho também.
O pai encontra a mulher na sala. Ela diz:
- Viu só? Trovoada. Vá entender este tempo.
- Quem foi que deu a espada pra ele?
- Não foi você? Pensei que tivesse sido você.
- Tenho uma coisa pra te contar.