segunda-feira, 30 de julho de 2012

Comédias para Ler na Escola



 A Espada

 Luis Fernando Veríssimo

Uma família de classe média alta. Pai, mulher, um filho de sete anos. É a noite do dia em que o filho fez sete anos. A mãe recolhe os detritos da festa.
O pai ajuda o filho a guardar os presentes que ganhou dos amigos. Nota que o filho está quieto e sério, mas pensa: "É o cansaço." Afinal ele passou o dia correndo de um lado para o outro, comendo cachorro-quente e sorvete, brincando com os convidados por dentro e por fora da casa. Tem que estar cansado.
- Quanto presente, hein, filho?
- É.
- E esta espada. Mas que beleza. Esta eu não tinha visto. - Pai...
- E como pesa! Parece uma espada de verdade. É de metal mesmo. Quem foi que deu?
- Era sobre isso que eu queria falar com você.
O pai estranha a seriedade do filho. Nunca o viu assim. Nunca viu nenhum garoto de sete anos sério assim. Solene assim. Coisa estranha... O filho tira a espada da mão do pai. Diz:
- Pai, eu sou Thunder Boy.
- Thunder Boy?
- Garoto Trovão.
- Muito bem, meu filho. Agora vamos pra cama.
- Espere. Esta espada. Estava escrito. Eu a receberia quando fizesse sete anos.
O pai se controla para não rir. Pelo menos a leitura de história em quadrinhos está ajudando a gramática do guri. "Eu a receberia..." O guri continua.
- Hoje ela veio. É um sinal. Devo assumir meu destino. A espada passa a um novo Thunder Boy a cada geração. Tem sido assim desde que ela caiu do céu, no vale sagrado de Bem Tael, há sete mil anos, e foi empunhada por Ramil, o primeiro Garoto Trovão.
O pai está impressionado. Não reconhece a voz do filho. E a gravidade do seu olhar. Está decidido. Vai cortar as histórias em quadrinhos por uns tempos.
- Certo, filho. Mas agora vamos...
- Vou ter que sair de casa. Quero que você explique à mamãe. Vai ser duro para ela. Conto com você para apoiá-la. Diga que estava escrito. Era o meu destino.
- Nós nunca mais vamos ver você? - pergunta o pai, resolvendo entrar no jogo do filho enquanto o encaminha, sutilmente, para a cama.
- Claro que sim. A espada do Thunder Boy está a serviço do bem e da justiça.
Enquanto vocês forem pessoas boas e justas poderão contar com a minha ajuda.
- Ainda bem - diz o pai.
E não diz mais nada. Porque ve o filho dirigir-se para a janela do seu quarto, e erguer a espada como uma cruz, e gritar para os céus "Ramil!". E ouve um trovão que faz estremecer a casa. E vê a espada iluminar-se e ficar azul. E o seu filho também.
O pai encontra a mulher na sala. Ela diz:
- Viu só? Trovoada. Vá entender este tempo.
- Quem foi que deu a espada pra ele?
- Não foi você? Pensei que tivesse sido você.
- Tenho uma coisa pra te contar.

Conto - Luis Fernando Veríssimo



O Homem Trocado
Luis Fernando Veríssimo

      O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.
      - Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.
      - Eu estava com medo desta operação...
      - Por quê? Não havia risco nenhum.
      - Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...
      E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.
     - E o meu nome? Outro engano.
     - Seu nome não é Lírio?
    - Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...
    Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.
      - Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.
      - O senhor não faz chamadas interurbanas?
      - Eu não tenho telefone!
     Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes.
      - Por quê?
      - Ela me enganava.
      Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer:
     - O senhor está desenganado.
     Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples apendicite.
     - Se você diz que a operação foi bem...
     A enfermeira parou de sorrir.
     - Apendicite? - perguntou, hesitante.
     - É. A operação era para tirar o apêndice.
     - Não era para trocar de sexo?